O tema de reforma do Estado é recorrente na agenda pública brasileira. Porém, os problemas do Estado nem sempre estão bem definidos. Sem tal definição, é impossível apresentar propostas positivas.
Este é o caso da atual proposta de Reforma Administrativa, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020. Para defendê-la, advoga-se que as despesas com servidores públicos no Brasil (e não a política econômica atual, que faz com que os gastos discricionários sejam a variável de ajuste) pressionaria o corte de investimentos públicos e defende-se que esta reforma fará o país voltar a crescer através do aumento da confiança do setor privado. No entanto, ao tender a reduzir o consumo dos servidores públicos, a reforma pode ter justamente o efeito contrário. Além disso, não se propõe a discutir os impactos que a redução da capacidade do serviço público terá nos direitos sociais, bem como seu impacto bem estar, na produtividade e no crescimento econômico de longo prazo.
O debate em torno da reforma também se vale de senso comum para desqualificar os servidores. Na verdade, a burocracia brasileira hoje é muito bem avaliada em comparações internacionais, com a maior qualidade de governança e a melhor pontuação da América Latina e Caribe no índice de meritocracia no serviço civil.
E houve “explosão” dos vínculos no setor público nos últimos anos? O número de servidores federais civis ativos de fato cresceu nos anos 2000, até 2014 aproximadamente, mas ainda está abaixo, em termos absolutos, do pico de servidores nesta esfera que o país possuía em 1991. Ainda, comparações internacionais mostram que o Brasil é um dos países com menor taxa de crescimento do emprego no setor público na América Latina e Caribe e que o crescimento dos vínculos no setor público também tem ficado abaixo do crescimento dos vínculos no setor privado. O Brasil não tem um número elevado de servidores em proporção da população ou do total de trabalhadores: temos 12,1% de empregados no setor público no total de trabalhadores, contra 21,3% dos países da OCDE.
E é verdade que os servidores são privilegiados? O exame detalhado do serviço público por esferas, poderes, tipos de contratação e carreiras mostra ser muito difícil falar em servidor público enquanto categoria homogênea, muito menos enquanto grupo privilegiado. Com frequência no debate público dá-se exemplo das carreiras do judiciário, enquanto a grande maioria dos servidores está no executivo municipal, com funções e condições de trabalho bem específicas.
De fato, os salários do setor público são superiores aos do setor privado. No entanto, a maioria das comparações realizada com o setor privado não considera a maior escolaridade dos servidores públicos. Assim, se o prêmio educacional no Brasil é um dos maiores do mundo, sintoma de nossa enorme desigualdade, parte da diferença salarial é explicada pelo diferencial educacional. Além disso, essas médias cobrem grupos bastante heterogêneos, e muitos cargos públicos não são facilmente comparáveis a empregos no setor privado.
Ainda sobre salários, outra frequente estratégia é comparar salários iniciais de servidores com salários iniciais de trabalhadores do setor privado, sem considerar que embora os salários iniciais sejam bem mais baixos no setor privado em algumas carreiras, a diferença entre os salários do setor privado e público tende a se reduzir ao longo das carreiras.
Outra frequente estratégia argumentativa é alardear que o salário dos servidores está acima da média internacional. Porém, o prêmio salarial do setor público (a diferença percentual da remuneração média dos servidores em relação à remuneração dos trabalhadores da iniciativa privada) no Brasil é de 18%, sendo a média internacional de 16%. Comparar as médias salariais de servidores municipais, estaduais e federais a este prêmio médio internacional, sem também fragmentar a análise a nível internacional por tipos de carreiras ou atribuições das diferentes esferas não faz sentido. Comparações deste tipo requerem cuidado até mesmo na comparação com outros países federalistas, já que os países organizam seus serviços públicos de diferentes formas e possuem diferentes estruturas de mercado de trabalho.
Vale considerar que o Brasil apresenta um mercado de trabalho altamente fragilizado e precarizado, muito diferente do quadro da maioria dos países no Norte Global. Assim, o setor público de fato se destaca positivamente. Neste contexto, buscar reduzir as diferenças ao rebaixar as condições de trabalho dos servidores não representa uma melhoria efetiva do quadro geral.
Assim, o erro de diagnóstico que baseia a reforma – que considera os servidores públicos como um todo privilegiado, homogêneo e excessivo – faz com que as propostas de precarizar o serviço público, acabar com a estabilidade, entre outras contidas na PEC 32/2020 tendam a piorar a qualidade do emprego público para resolver um problema mal diagnosticado.
Ana Luíza Matos de Oliveira – Coordenadora-geral da Secretaria Executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Frente Servir Brasil) e Doutora em Desenvolvimento Econômico
Muito bem argumentado o texto acima Pela Dra. Ana Luiza Matos de Oliveira.
Essa Pec 32 é uma perseguição aos servidores públicos e o argumento que esse projeto vai aumentar a confiança pelo setor privado é um fiasco. o Mesmo disseram quando tiraram os direitos dos trabalhadores, dizendo que iam aumentar a oferta de emprego….e o que aconteceu?.
Esse governo não planeja, não estuda, e só estamos vendo nosso país afundando. Eles não fazem projetos para beneficiar o povo.
Espero sinceramente que essa PEC 32 não siga em frente. Vai ser um desmonte no SUS, nas Escolas publicas que já estão deterioradas, pesquisas, universidades, vai ser um caos.
Boa tarde.
Sou servidor público federal e gostaria de entender qual a lógica do ataque à previdência do servidor público, ao dizerem que daria prejuízo, que tem rombo, etc…, SE:
1) Nós continuamos contribuindo COM A MESMA ALÍQUOTA sobre todo o valor que ganhamos, SEM TETO, depois de aposentados.
2) Cada servidor que sai do serviço público deixa toda a contribuição feita durante sua carreira para os cofres da previdência.
3) Nós não temos FGTS, SEGURO-DESEMPREGO e nem MULTA se formos demitidoS.
Grato.
Rodrigo Morato Rodrigues