{"id":1170,"date":"2021-06-08T15:34:27","date_gmt":"2021-06-08T18:34:27","guid":{"rendered":"https:\/\/www.servirbrasil.org.br\/?p=1170"},"modified":"2021-06-08T15:34:27","modified_gmt":"2021-06-08T18:34:27","slug":"a-reforma-administrativa-vai-reduzir-a-desigualdade-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.servirbrasil.org.br\/2021\/06\/a-reforma-administrativa-vai-reduzir-a-desigualdade-no-brasil\/","title":{"rendered":"A reforma administrativa vai reduzir a desigualdade no Brasil?"},"content":{"rendered":"
por\u00a0Ana Lu\u00edza Matos de Oliveira<\/strong><\/p>\n Na discuss\u00e3o sobre a reforma administrativa, a desigualdade s\u00f3 \u00e9 lembrada quando erroneamente tentam apresentar o servidor como um privilegiado<\/a>. Mas em um pa\u00eds internacionalmente reconhecido por enormes desigualdades, \u00e9 absurdo que este n\u00e3o seja o ponto central n\u00e3o s\u00f3 desta, mas de qualquer reforma que pretenda melhorar o pa\u00eds.<\/p>\n Para discutir como a reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro<\/a>, por meio da PEC 32\/2020, amplia desigualdades, gostaria de tratar de um mito recorrente sobre a atua\u00e7\u00e3o do Estado brasileiro: o de que o gasto social (ou a pol\u00edtica p\u00fablica) aumenta a desigualdade. Ser\u00e1 isso verdade?<\/p>\n \u00c9 not\u00f3rio que o sistema tribut\u00e1rio brasileiro hoje atua concentrando renda. \u00c9 verdade. No entanto, o Estado brasileiro ao realizar gasto social, em especial o gasto com educa\u00e7\u00e3o, sa\u00fade e o Regime Geral da Previd\u00eancia Social, tende a reduzir a concentra\u00e7\u00e3o de renda, como mostram diversos estudos (exemplos aqui<\/a> e aqui<\/a>). Qualquer discuss\u00e3o sobre desigualdade e servi\u00e7o p\u00fablico, para al\u00e9m de discutir a renda dos servidores, precisa incorporar o papel fundamental desses trabalhadores na redu\u00e7\u00e3o das desigualdades sociais no pa\u00eds como chave para prover direitos.<\/p>\n Assim, ficam algumas perguntas para o governo (que n\u00e3o trouxe para a popula\u00e7\u00e3o, at\u00e9 hoje, as an\u00e1lises de impacto da PEC<\/a>). Qual o impacto da PEC 32\/2020 na provis\u00e3o de direitos sociais? Qual o risco para os direitos sociais a partir das altera\u00e7\u00f5es propostas com a privatiza\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica social (Art. 37-A)? Qual o risco da continuidade de servi\u00e7os se o presidente ganha superpoderes para acabar com \u00f3rg\u00e3os e cargos (Art. 84) e se cresce a precariza\u00e7\u00e3o no servi\u00e7o p\u00fablico (Art. 39-A)? Em resumo, como a PEC 32\/2020 afetar\u00e1 os direitos constitucionais j\u00e1 previstos no Art. 6 da Constitui\u00e7\u00e3o?<\/p>\n Reconhecidamente, no Brasil h\u00e1 uma feminiza\u00e7\u00e3o da pobreza, assim como a popula\u00e7\u00e3o negra tamb\u00e9m est\u00e1 mais vulner\u00e1vel \u00e0 pobreza por raz\u00f5es hist\u00f3ricas e por isso tamb\u00e9m \u00e9 mais dependente dos servi\u00e7os p\u00fablicos. A redu\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os p\u00fablicos pode levar as desigualdades a crescer, j\u00e1 que h\u00e1 diferen\u00e7as significativas entre ser de classe alta ou baixa, do Norte\/Nordeste ou do Sul\/Sudeste\/Centro-Oeste, branca ou negra\/ind\u00edgena etc. Para cada um desses grupos, a import\u00e2ncia da provis\u00e3o p\u00fablica de direitos sociais \u00e9 diferente, mas reduzi-los \u00e9 cortar necessariamente da carne dos mais vulner\u00e1veis. Engana-se quem acha que a PEC vai aprimorar o servi\u00e7o p\u00fablico entregue aos mais pobres: nela n\u00e3o h\u00e1 uma linha sobre moderniza\u00e7\u00e3o, amplia\u00e7\u00e3o de investimentos ou uma proposta de avalia\u00e7\u00e3o de desempenho, s\u00f3 propostas de precariza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n H\u00e1 outro mecanismo, ainda, que pode afetar as desigualdades atrav\u00e9s da reforma. Ant\u00f3n & Bustillo (2015)<\/a>, examinando o caso espanhol, ponderam que as desigualdades salariais de g\u00eanero s\u00e3o mais altas no setor privado que no setor p\u00fablico e consideram que reduzir o emprego p\u00fablico de forma estrutural (como o quer a reforma por aqui) pode ampliar as desigualdades de g\u00eanero. E sobre a quest\u00e3o racial, Negreiros, Faria e Gomor (2020)<\/a> apontam que h\u00e1 um movimento de usar a agenda de uma suposta preocupa\u00e7\u00e3o com a desigualdade de g\u00eanero e racial para apoiar a destrui\u00e7\u00e3o do Estado atrav\u00e9s da PEC e ampliar a precariza\u00e7\u00e3o. Em especial, a diferencia\u00e7\u00e3o feita pela PEC entre carreiras de Estado e contratos por tempo indeterminado preservaria justamente as carreiras onde h\u00e1 mais brancos (as que se entendem como \u201cde Estado\u201d) enquanto precarizaria carreiras em que os negros s\u00e3o mais presentes (al\u00e9m de ser os maiores benefici\u00e1rios de muitas das pol\u00edticas sociais, como j\u00e1 exposto).<\/p>\n Elom\u00e4ki (2019)<\/a> defende que reformas administrativas ocorridas na Finl\u00e2ndia, inspiradas no arcabou\u00e7o da austeridade, contribu\u00edram para a amplia\u00e7\u00e3o de desigualdades de g\u00eanero. Por l\u00e1, a reforma \u2013 apresentada como \u201ct\u00e9cnica\u201d e \u201ccomo \u00fanico caminho poss\u00edvel\u201d \u2013 for\u00e7ou a posterior ado\u00e7\u00e3o de medidas que ampliaram desigualdades de g\u00eanero. Por aqui, desde a Emenda Constitucional 95\/2016 (EC 95\/2016), estamos no disco furado das reformas que n\u00e3o se preocupam com seus impactos na amplia\u00e7\u00e3o das desigualdades. A pr\u00f3pria EC 95\/2016 teve impactos altamente delet\u00e9rios na desigualdade<\/a>.<\/p>\n Durante a pandemia, a a\u00e7\u00e3o do Estado na provis\u00e3o de direitos sociais se fez ainda mais importante. Impactos duradouros da pandemia s\u00e3o esperados no Brasil e criam desafios para a pol\u00edtica social. Mesmo antes da pandemia, havia uma necessidade crescente de interven\u00e7\u00e3o p\u00fablica para garantir a Agenda 2030. A pandemia aumentou a pobreza e a desigualdade na Am\u00e9rica Latina e por isso novas pol\u00edticas p\u00fablicas ter\u00e3o que ser desenhadas, n\u00e3o cortadas, reduzidas, precarizadas. Isto se queremos um pa\u00eds menos desigual, \u00e9 claro.<\/p>\n Apesar de se apresentar como uma forma de reduzir desigualdades, a PEC \u00e9 o contr\u00e1rio do que se finge ser. Se aprovada, tender\u00e1 a criar mais precariza\u00e7\u00e3o e mais desigualdade e em um contexto de extrema vulnerabilidade para a sociedade brasileira.<\/p>\n <\/p>\n Ana Lu\u00edza Matos de Oliveira<\/strong> \u00e9 coordenadora-geral da Secretaria Executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servi\u00e7o P\u00fablico (Frente Servir Brasil) e doutora em Desenvolvimento Econ\u00f4mico.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" por\u00a0Ana Lu\u00edza Matos de Oliveira Na discuss\u00e3o sobre a reforma administrativa, a desigualdade s\u00f3 \u00e9 lembrada quando erroneamente tentam apresentar o servidor como um privilegiado. 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