Por Gabriela Lotta<\/em><\/a><\/p>\nN\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que o servi\u00e7o p\u00fablico brasileiro precisa de reformas. Nossa \u00faltima reforma, denominada como tal, foi h\u00e1 mais de 20 anos e n\u00e3o foi complemente implementada.<\/p>\n
Desde ent\u00e3o, tivemos diversas mudan\u00e7as incrementais no servi\u00e7o p\u00fablico, como cria\u00e7\u00e3o de carreiras, realiza\u00e7\u00e3o de concursos, digitaliza\u00e7\u00e3o, investimento em forma\u00e7\u00e3o de servidores, entre outras. Elas foram muito importantes para permitir um crescimento e profissionaliza\u00e7\u00e3o do Estado brasileiro.<\/p>\n
Mas parecem ter chegado num limite quando vemos os resultados do que o servi\u00e7o p\u00fablico entrega atualmente. Universalizamos o acesso \u00e0 educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, mas ainda temos resultados sofr\u00edveis em indicadores de aprendizagem. Alcan\u00e7amos mais de 75% de acesso na sa\u00fade prim\u00e1ria, mas ainda temos problemas de cobertura na aten\u00e7\u00e3o especializada e hospitalar. Ampliamos programas sociais, como o Bolsa Fam\u00edlia, mas as desigualdades est\u00e3o crescentes.<\/p>\n
Precisamos aumentar cobertura e qualidade de servi\u00e7os; precisamos fazer pol\u00edticas que reduzam desigualdades; e precisamos fazer tudo isso num pa\u00eds extremamente grande e heterog\u00eaneo e num cen\u00e1rio de restri\u00e7\u00e3o fiscal e deslegitimidade do servi\u00e7o p\u00fablico.<\/p>\n
Esses problemas s\u00e3o justificativa suficiente para a necessidade de uma reforma administrativa. No entanto, a proposta da PEC (Proposta de Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o) 32, que est\u00e1 tramitando no Congresso Nacional, est\u00e1 muito longe de solucionar os problemas que precisamos. Pelo contr\u00e1rio, ela tende a aumentar parte deles.<\/p>\n
O Estado brasileiro \u00e9 extremamente desigual. Ao mesmo tempo em que algumas carreiras t\u00eam sal\u00e1rios exorbitantes e acumulam regalias \u2014 em geral no Poder Judici\u00e1rio \u2014 a grande maioria das carreiras que fazem provis\u00e3o direta de servi\u00e7os recebe sal\u00e1rios baixos.<\/p>\n
A m\u00e9dia salarial dos munic\u00edpios, onde est\u00e3o os professores, profissionais de sa\u00fade, guardas municipais e profissionais da assist\u00eancia social, \u00e9 de R$ 2.800, sem regalias. Al\u00e9m disso, as diferen\u00e7as entre os Poderes Executivo, Judici\u00e1rio e Legislativo s\u00e3o gritantes.<\/p>\n
A proposta da PEC 32 n\u00e3o s\u00f3 n\u00e3o considera desigualdades como ainda exclui de seu desenho original os membros dos Poderes Judici\u00e1rio e Legislativo, que concentram os maiores sal\u00e1rios e benef\u00edcios, causando verdadeiras distor\u00e7\u00f5es na sociedade brasileira.<\/p>\n
A falta de um olhar para essa heterogeneidade do servi\u00e7o e dos servidores \u00e9 um dos grandes problemas desta reforma e, caso seja implementada, ela tender\u00e1 a aumentar as distor\u00e7\u00f5es e prejudicar de forma desigual as mulheres e negros no servi\u00e7o p\u00fablico.<\/p>\n
A pergunta que fica \u00e9: mas ent\u00e3o, de que reforma o Brasil precisa? E a resposta central \u00e9: de uma reforma que busque solu\u00e7\u00f5es a partir de um verdadeiro diagn\u00f3stico sobre a heterogeneidade do Estado brasileiro e que tenha como princ\u00edpio norteador a busca de maior efetividade das pol\u00edticas, inclus\u00e3o social e redu\u00e7\u00e3o de desigualdades.<\/p>\n
A partir destes princ\u00edpios, gostaria aqui de propor quatro temas que, a partir do meu diagn\u00f3stico sobre o Estado brasileiro, deveriam guiar uma reforma.<\/p>\n
Gest\u00e3o de pessoas<\/strong> \nO primeiro tema \u00e9 gest\u00e3o de pessoas. O Estado brasileiro gere muito mal seus servidores. Sem esgotar o diagn\u00f3stico, temos concursos ruins, sistemas de desempenho ausentes ou sofr\u00edveis, n\u00famero excessivo de carreiras e carreiras mal desenhadas, que n\u00e3o permitem circula\u00e7\u00e3o entre \u00e1reas e, muitas vezes, desmotivam os servidores.<\/p>\nEmbora tenhamos alguns exemplos positivos, nos faltam bons sistemas de avalia\u00e7\u00e3o de desempenho e de incentivo. Uma boa reforma deveria diagnosticar estes problemas, a diversidade de sua manifesta\u00e7\u00e3o e propor solu\u00e7\u00f5es gerenciais para enfrent\u00e1-los. N\u00e3o precisamos de mais PECs, precisamos regulamentar as muitas leis que temos sobre este tema e, acima de tudo, precisamos de gest\u00e3o.<\/p>\n
Estrutura<\/strong> \nO segundo tema que deveria ser parte do debate \u00e9 a estrutura organizativa do Estado brasileiro. Carregamos um modelo organizacional burocr\u00e1tico dividido em muitas \u00e1reas especializadas que n\u00e3o se conversam. E todo o sistema de gest\u00e3o refor\u00e7a isso: o or\u00e7amento, o planejamento, o sistema de compras e a aloca\u00e7\u00e3o de pessoal s\u00e3o todos fundamentados na ideia de separa\u00e7\u00e3o de \u00e1reas, departamentos, secretarias e minist\u00e9rios.<\/p>\nEsse modelo nos dificulta fazer pol\u00edticas intersetoriais e integradas, gera sobreposi\u00e7\u00e3o de fun\u00e7\u00f5es e espa\u00e7os em branco e, ao final, compromete a efetividade das pol\u00edticas e gera inefici\u00eancia. Uma reforma precisaria prever modelos mais matriciais, integradores de \u00e1reas, com maior flexibilidade para experimenta\u00e7\u00e3o de modelos organizacionais.<\/p>\n
Rela\u00e7\u00e3o entre Estado e provedores de servi\u00e7os<\/strong> \nO terceiro tema que merece aten\u00e7\u00e3o de uma reforma \u00e9 a rela\u00e7\u00e3o entre o Estado e as organiza\u00e7\u00f5es provedoras de servi\u00e7os p\u00fablicos.<\/p>\nO Estado brasileiro se expandiu profundamente nas \u00faltimas d\u00e9cadas e parte disso se deveu a um sistema de contrata\u00e7\u00e3o de atores para provis\u00e3o dos servi\u00e7os. \u00c9 o caso, por exemplo, das organiza\u00e7\u00f5es sociais na sa\u00fade e dos conv\u00eanios em creches e servi\u00e7os de assist\u00eancia.<\/p>\n
Se, por um lado, essas contrata\u00e7\u00f5es permitiram ampliar cobertura de servi\u00e7os, elas ainda pecam por muitos problemas. Temos visto nas \u00faltimas semanas diversos casos de corrup\u00e7\u00e3o utilizando esses contratos. Mas, para al\u00e9m disso, os servi\u00e7os contratados s\u00e3o muito heterog\u00eaneos, tanto em formato como em qualidade.<\/p>\n
Se a parceria parece ser um caminho sem volta, o Estado brasileiro deveria se preparar para faz\u00ea-la melhor. A experi\u00eancia internacional mostra que parcerias para provis\u00e3o de servi\u00e7os s\u00f3 funcionam bem quando o Estado est\u00e1 mais forte, e n\u00e3o mais fraco, como muitas vezes tem acontecido no Brasil.<\/p>\n
Uma reforma deveria focar em melhorar nossos sistemas de contrata\u00e7\u00e3o e parcerias, fortalecer as \u00e1reas de monitoramento, avalia\u00e7\u00e3o e controle, pensar sistemas de controle social das organiza\u00e7\u00f5es provedoras de servi\u00e7o, integrar essas organiza\u00e7\u00f5es em espa\u00e7os decis\u00f3rios.<\/p>\n
Sistemas de controle<\/strong> \nPor fim, o \u00faltimo tema que deveria ser objeto de uma reforma \u00e9 o da rela\u00e7\u00e3o entre o Poder Executivo e os sistemas de controle.<\/p>\nO aumento dos sistemas de controle foi, sem d\u00favida, uma grande conquista democr\u00e1tica. No entanto, seu crescimento sem integra\u00e7\u00e3o com o Poder Executivo est\u00e1 gerando atualmente diversos problemas.<\/p>\n
Quem trabalha na m\u00e1quina estatal vivencia o chamado apag\u00e3o das canetas. Gestores est\u00e3o cada vez mais restritos em sua capacidade de tomar decis\u00e3o, seja pelos limites impostos pelo sistema de controle, seja pelo medo de uma criminaliza\u00e7\u00e3o da gest\u00e3o.<\/p>\n
N\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que os sistemas de controle devem coibir as pr\u00e1ticas nefastas de uso indevido de recursos. Mas, ao atuar de maneira reativa, sem ajudar no processo decis\u00f3rio, os sistemas de controle est\u00e3o inviabilizando a gest\u00e3o.<\/p>\n
H\u00e1 atualmente propostas de parte do TCU (Tribunal de Contas da Uni\u00e3o) e da CGU (Controladoria-Geral da Uni\u00e3o) de realizar pr\u00e1ticas mais integradas e preventivas. Mas ainda prevalece uma l\u00f3gica de “n\u00f3s contra eles”, que muitas vezes inviabiliza a tomada de decis\u00e3o baseada em boa-f\u00e9 e tentativa de resolu\u00e7\u00e3o de problemas.<\/p>\n
Ao criminalizar a gest\u00e3o de forma indiscriminada, o sistema de controle pune gestores que t\u00eam boa vontade e que, em muitos momentos da hist\u00f3ria, foram capazes de resolver grandes problemas p\u00fablicos justamente por sua capacidade de tentar, experimentar e inovar e n\u00e3o ser punido pela tentativa. As propostas de mudan\u00e7a aqui n\u00e3o devem buscar menos controle, mas um controle mais preventivo, que esteja mais pr\u00f3ximo do cotidiano dos gestores e os ajude a tomar decis\u00f5es melhores.<\/p>\n
N\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que o Estado brasileiro precisa de uma reforma que busque construir um Estado melhor, e n\u00e3o menor. E a melhoria do Estado brasileiro deve partir de um diagn\u00f3stico sobre seu real funcionamento e sobre suas heterogeneidades. E deve, acima de tudo, se basear em propostas constru\u00eddas no debate p\u00fablico envolvendo a sociedade que \u00e9, afinal, a mais impactada pelas a\u00e7\u00f5es e ina\u00e7\u00f5es do Estado brasileiro.<\/p>\n
** Este texto n\u00e3o reflete, necessariamente, a opini\u00e3o do UOL.<\/a><\/strong><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"Por Gabriela Lotta N\u00e3o h\u00e1 d\u00favidas de que o servi\u00e7o p\u00fablico brasileiro precisa de reformas. Nossa \u00faltima reforma, denominada como tal, foi h\u00e1 mais de 20 anos e n\u00e3o foi complemente implementada. Desde ent\u00e3o, tivemos diversas mudan\u00e7as incrementais no servi\u00e7o p\u00fablico, como cria\u00e7\u00e3o de carreiras, realiza\u00e7\u00e3o de concursos, digitaliza\u00e7\u00e3o, investimento em forma\u00e7\u00e3o de servidores, entre […]<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":""},"categories":[1],"tags":[],"yoast_head":"\n
Reforma administrativa poupa elite e piora problemas do servi\u00e7o p\u00fablico - Servir Brasil<\/title>\n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n