O acontecimento relacionado ao assassinato de um homem negro por seguran\u00e7as do Carrefour, em Porto Alegre, faz-nos refletir sobre a situa\u00e7\u00e3o dos negros e negras no servi\u00e7o p\u00fablico. Para al\u00e9m da quest\u00e3o do racismo estrutural, h\u00e1 tamb\u00e9m a quest\u00e3o das mulheres numa sociedade patriarcal, como a nossa, al\u00e9m das quest\u00f5es relacionadas aos direitos das minorias, como LGBT, deficientes, e portadores de comorbidades.<\/p>\n
Numa sociedade marcada pela discrimina\u00e7\u00e3o racial, de g\u00eanero e das minorias sociais, um servi\u00e7o p\u00fablico precarizado ir\u00e1 refletir, precisamente, essas condi\u00e7\u00f5es sociais. Pois \u00e9 justamente isso o que acontece na iniciativa privada. Pense no caso dos contratos de experi\u00eancia, antes da efetiva\u00e7\u00e3o no servi\u00e7o p\u00fablico, como a reforma administrativa prev\u00ea.<\/p>\n
Tomando-se por base o mundo do mercado de trabalho privado, se dois homens concorrem, um branco e um negro, pela mesma vaga, supondo o mesmo n\u00edvel de efici\u00eancia, a tend\u00eancia \u00e9 que o homem branco leve vantagem na escolha, sendo efetivado no servi\u00e7o p\u00fablico \u2013 \u201ccolocando o negro no seu devido lugar\u201d \u2013 assim como ocorre na iniciativa privada. Basta darmos uma olhada no mundo corporativo e observarmos quem ocupa a maioria das posi\u00e7\u00f5es ditas \u201cde destaque\u201d.<\/p>\n
Vamos inverter. Imagine um processo de desligamento do servi\u00e7o p\u00fablico, por raz\u00f5es de corte de gastos de pessoal, como tamb\u00e9m prev\u00ea a reforma administrativa. Quem ser\u00e1 mantido? Imagine, agora um homem branco e uma mulher. Quem levar\u00e1 a melhor? O homem \u201cque precisa sustentar a casa\u201d ou a mulher \u201cque deve cuidar dos filhos\u201d?<\/p>\n
A situa\u00e7\u00e3o torna-se mais delicada se colocarmos uma MULHER NEGRA. Substitua o racioc\u00ednio para homem gordo, homem magro; homem com defici\u00eancia e homem \u201csaud\u00e1vel\u201d. Se o ambiente de trabalho for marcado pelo princ\u00edpio da competi\u00e7\u00e3o ao inv\u00e9s do princ\u00edpio da solidariedade, fatos como esse ter\u00e3o grandes chances de ocorrer.<\/p>\n
Por mais que o princ\u00edpio da impessoalidade da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica diga \u201cn\u00e3o\u201d a esse tipo de situa\u00e7\u00e3o, sabemos que aspectos culturais secularmente arraigados acabam por emergir, mesmo que \u201csem a inten\u00e7\u00e3o\u201d da pr\u00e1tica de racismo, homofobia, machismo, dentre outros. Pois, mesmo sendo o servi\u00e7o p\u00fablico, com as regras atuais, um espa\u00e7o mais democr\u00e1tico do que o mercado de trabalho na iniciativa privada, h\u00e1 clara predomin\u00e2ncia de homens brancos e h\u00e9teros em cargos de comando, chefia ou assessoramento, mesmo numa sociedade composta, em sua maior parte, por negros ou mulheres.<\/p>\n
A democratiza\u00e7\u00e3o das rela\u00e7\u00f5es de trabalho passa por discuss\u00f5es como essa. A nossa sociedade est\u00e1 madura para acabar com a estabilidade no servi\u00e7o p\u00fablico? Est\u00e1 madura para processos seletivos diferentes dos atuais concursos p\u00fablicos? Com certeza n\u00e3o. A estabilidade no servi\u00e7o p\u00fablico, bem como o concurso p\u00fablico, s\u00e3o verdadeiras a\u00e7\u00f5es afirmativas que combatem as desigualdades raciais e de g\u00eanero, no \u00e2mbito do trabalho.<\/p>\n
Al\u00e9m disso, elas s\u00e3o a\u00e7\u00f5es afirmativas pelos direitos das minorias. De qualquer forma, reconhecer o racismo, as desigualdades de g\u00eanero, bem como o direito das minorias, \u00e9 o primeiro passo para a conquista de uma sociedade mais democr\u00e1tica e mais justa socialmente.<\/p>\n