{"id":809,"date":"2021-02-17T15:30:10","date_gmt":"2021-02-17T18:30:10","guid":{"rendered":"https:\/\/www.servirbrasil.org.br\/?p=809"},"modified":"2021-02-17T15:45:41","modified_gmt":"2021-02-17T18:45:41","slug":"erros-de-diagnostico-da-reforma-administrativa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.servirbrasil.org.br\/2021\/02\/erros-de-diagnostico-da-reforma-administrativa\/","title":{"rendered":"Erros de diagn\u00f3stico da Reforma Administrativa"},"content":{"rendered":"
O tema de reforma do Estado \u00e9 recorrente na agenda p\u00fablica brasileira. Por\u00e9m, os problemas do Estado nem sempre est\u00e3o bem definidos. Sem tal defini\u00e7\u00e3o, \u00e9 imposs\u00edvel apresentar propostas positivas.<\/p>\n
Este \u00e9 o caso da atual proposta de Reforma Administrativa, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32\/2020. Para defend\u00ea-la, advoga-se que as despesas com servidores p\u00fablicos no Brasil (e n\u00e3o a pol\u00edtica econ\u00f4mica atual, que faz com que os gastos discricion\u00e1rios sejam a vari\u00e1vel de ajuste) pressionaria o corte de investimentos p\u00fablicos e defende-se que esta reforma far\u00e1 o pa\u00eds voltar a crescer atrav\u00e9s do aumento da confian\u00e7a do setor privado. No entanto, ao tender a reduzir o consumo dos servidores p\u00fablicos, a reforma pode ter justamente o efeito contr\u00e1rio. Al\u00e9m disso, n\u00e3o se prop\u00f5e a discutir os impactos que a redu\u00e7\u00e3o da capacidade do servi\u00e7o p\u00fablico ter\u00e1 nos direitos sociais, bem como seu impacto bem estar, na produtividade e no crescimento econ\u00f4mico de longo prazo.<\/p>\n
O debate em torno da reforma tamb\u00e9m se vale de senso comum para desqualificar os servidores. Na verdade, a burocracia brasileira hoje \u00e9 muito bem avaliada em compara\u00e7\u00f5es internacionais<\/a>, com a maior qualidade de governan\u00e7a e a melhor pontua\u00e7\u00e3o da Am\u00e9rica Latina e Caribe no \u00edndice de meritocracia no servi\u00e7o civil.<\/p>\n E houve \u201cexplos\u00e3o\u201d dos v\u00ednculos no setor p\u00fablico nos \u00faltimos anos? O n\u00famero de servidores federais civis ativos de fato cresceu nos anos 2000, at\u00e9 2014 aproximadamente, mas ainda est\u00e1 abaixo, em termos absolutos, do pico de servidores nesta esfera que o pa\u00eds possu\u00eda em 1991. Ainda, compara\u00e7\u00f5es internacionais<\/a> mostram que o Brasil \u00e9 um dos pa\u00edses com menor taxa de crescimento do emprego no setor p\u00fablico na Am\u00e9rica Latina e Caribe e que o crescimento dos v\u00ednculos no setor p\u00fablico tamb\u00e9m tem ficado abaixo do crescimento dos v\u00ednculos no setor privado. O Brasil n\u00e3o tem um n\u00famero elevado de servidores em propor\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o ou do total de trabalhadores: temos 12,1% de empregados no setor p\u00fablico<\/a> no total de trabalhadores, contra 21,3% dos pa\u00edses da OCDE.<\/p>\n E \u00e9 verdade que os servidores s\u00e3o privilegiados? O exame detalhado do servi\u00e7o p\u00fablico por esferas, poderes, tipos de contrata\u00e7\u00e3o e carreiras mostra ser muito dif\u00edcil falar em servidor p\u00fablico enquanto categoria homog\u00eanea, muito menos enquanto grupo privilegiado. Com frequ\u00eancia no debate p\u00fablico d\u00e1-se exemplo das carreiras do judici\u00e1rio, enquanto a grande maioria dos servidores est\u00e1 no executivo municipal, com fun\u00e7\u00f5es e condi\u00e7\u00f5es de trabalho bem espec\u00edficas.<\/p>\n De fato, os sal\u00e1rios do setor p\u00fablico s\u00e3o superiores aos do setor privado. No entanto, a maioria das compara\u00e7\u00f5es realizada com o setor privado n\u00e3o considera a maior escolaridade dos servidores p\u00fablicos. Assim, se o pr\u00eamio educacional no Brasil \u00e9 um dos maiores do mundo<\/a>, sintoma de nossa enorme desigualdade, parte da diferen\u00e7a salarial \u00e9 explicada pelo diferencial educacional. Al\u00e9m disso, essas m\u00e9dias cobrem grupos bastante heterog\u00eaneos, e muitos cargos p\u00fablicos n\u00e3o s\u00e3o facilmente compar\u00e1veis a empregos no setor privado.<\/p>\n Ainda sobre sal\u00e1rios, outra frequente estrat\u00e9gia<\/a> \u00e9 comparar sal\u00e1rios iniciais de servidores com sal\u00e1rios iniciais de trabalhadores do setor privado, sem considerar que embora os sal\u00e1rios iniciais sejam bem mais baixos no setor privado em algumas carreiras, a diferen\u00e7a entre os sal\u00e1rios do setor privado e p\u00fablico tende a se reduzir ao longo das carreiras.<\/p>\n Outra frequente estrat\u00e9gia argumentativa \u00e9 alardear que o sal\u00e1rio dos servidores est\u00e1 acima da m\u00e9dia internacional. Por\u00e9m, o pr\u00eamio salarial do setor p\u00fablico (a diferen\u00e7a percentual da remunera\u00e7\u00e3o m\u00e9dia dos servidores em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 remunera\u00e7\u00e3o dos trabalhadores da iniciativa privada) no Brasil \u00e9 de 18%, sendo a m\u00e9dia internacional de 16%<\/a>. Comparar as m\u00e9dias salariais de servidores municipais, estaduais e federais a este pr\u00eamio m\u00e9dio internacional, sem tamb\u00e9m fragmentar a an\u00e1lise a n\u00edvel internacional por tipos de carreiras ou atribui\u00e7\u00f5es das diferentes esferas n\u00e3o faz sentido. Compara\u00e7\u00f5es deste tipo requerem cuidado at\u00e9 mesmo na compara\u00e7\u00e3o com outros pa\u00edses federalistas, j\u00e1 que os pa\u00edses organizam seus servi\u00e7os p\u00fablicos de diferentes formas e possuem diferentes estruturas de mercado de trabalho.<\/p>\n Vale considerar que o Brasil apresenta um mercado de trabalho altamente fragilizado e precarizado, muito diferente do quadro da maioria dos pa\u00edses no Norte Global. Assim, o setor p\u00fablico de fato se destaca positivamente. Neste contexto, buscar reduzir as diferen\u00e7as ao rebaixar as condi\u00e7\u00f5es de trabalho dos servidores n\u00e3o representa uma melhoria efetiva do quadro geral.<\/p>\n Assim, o erro de diagn\u00f3stico que baseia a reforma \u2013 que considera os servidores p\u00fablicos como um todo privilegiado, homog\u00eaneo e excessivo \u2013 faz com que as propostas de precarizar o servi\u00e7o p\u00fablico, acabar com a estabilidade, entre outras contidas na PEC 32\/2020 tendam a piorar a qualidade do emprego p\u00fablico para resolver um problema mal diagnosticado.<\/p>\n <\/p>\n Ana Lu\u00edza Matos de Oliveira \u2013 Coordenadora-geral da Secretaria Executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Servi\u00e7o P\u00fablico (Frente Servir Brasil) e Doutora em Desenvolvimento Econ\u00f4mico<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" O tema de reforma do Estado \u00e9 recorrente na agenda p\u00fablica brasileira. Por\u00e9m, os problemas do Estado nem sempre est\u00e3o bem definidos. Sem tal defini\u00e7\u00e3o, \u00e9 imposs\u00edvel apresentar propostas positivas. Este \u00e9 o caso da atual proposta de Reforma Administrativa, com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32\/2020. Para defend\u00ea-la, advoga-se que as despesas com […]<\/p>\n","protected":false},"author":3,"featured_media":495,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"spay_email":""},"categories":[10,7],"tags":[],"yoast_head":"\n